(No 708 para o Martim Moniz; excerto não editado)
Sr. xxxxxx, como foi ass...
Doutor.
Como?
Agradecia que me tratasse por Doutor.
Doutor xxxxxxx, como foi assistir de perto à Guerra da Geórgia?
Bem... foi um pouco... traumático talvez seja um termo demasiado forte. Quer dizer, assistir de perto a uma guerra, ouvir os bombardeamentos, ouvir os gritos, sentir de perto a angústia e o medo, é como se o pânico, ele próprio, gritasse através daquilo tudo, através do cheiro da pólvora e da gasolina queimada, é... quer dizer, não sei bem. Eu estava a muitos quilómetros dos confrontos, se é que lhes podemos chamar assim. Não vi, não ouvi, não dei conta de nada.
Mas como se sentiu estando num país estrangeiro, onde predomina um alfabeto que não domina, e mesmo se dominasse provavelmente não lhe serviria de muito devido ao medo instalado no seio dos media face a um regime totalitário democraticamente mascarado?
Bem, eu lia diariamente um jornal americano que era distribuído gratuitamente no sítio onde tomava o pequeno almoço, na Arbatskaya. O MacDonalds.
Qual foi, para si, o filme do ano?
Não sei... Posso escolher dois?
Não.
O Segredo de um Cuscuz e Darjeeling Limited.
Porquê?
Não sei.
E o concerto do ano?
Animal Collective no Lux, Portishead no Coliseu, Bjor...
Pelo desculpa, Doutor, mas pedi-lhe o concerto.
Não me interrompas que levas um murro na cara. Bjork no Sudoeste, The National na Aula Magna, Hércules Love Affair no Alive, Santogold e Lykke Li no Super Bock em Stock.
Pode referir alguns espectáculos que o tenham marcado?
Rir Tendo Consciência da Tragédia, pelos Há-Que-Dizê-Lo, na Casa Conveniente.
(silêncio)
E o espectáculo de sexo ao vivo num bar “underground-manhoso” em Amsterdão?
O que tem?
Não quer falar sobre isso?
Não.
O livro do ano?
O Sangue dos Outros, Simone de Beauvoir.
Mas e em relação a um livro que tenha sido lançado este ano...
Sei lá.
Dr. xxxxxxx, é verdade que neste ano que termina não teve quaisquer problemas em criar momentos, digamos “humorísticos”, em torno da desgraça alheia?
Não sei. Do que está a falar?
Estou a falar por exemplo de cancro, leucemia, deficiências profundas, amputações, crimes praticados impunemente, esterilidade, bipolaridade, a transexualidade, depressões profundas, a crise financeira e a crise moral que se abate sobre as nossas famílias?
É verdade.
O que sente em relação à morte de Heath Leadger?
O que sinto? Nada. Mas gostei muito do Joker que fez.
E no campo profissional, como se sente após ter sido cruelmente despedido e deixado à angústia de um futuro incerto? É do conhecimento geral que para pagar a renda de casa teve de recorrer a trabalhos esporádicos, como fazer de duende...
Queres levar um murro, não queres?
E a sua casa nova? É verdade que o tecto veio a baixo?
Infelizmente não o posso negar.
Concretizou tantos projectos quanto gostaria em 2008?
Não, nem por sombras. Mas aprendi muitas coisas novas. E em 2009 vai ser o ano. Ai vai.
Eu não acredito muito nisso.
E tu és paneleiro, gordo, careca e ateu.
É verdade.
Eu sei.
Para finalizar, quer falar-nos da sua passagem de ano?
Sim, posso falar. Eu acho que a passagem de ano não é apenas um motivo que inventamos para nos embebedarmos. Acredito mesmo que certos rituais têm uma importância significativa na nossa vida, sejam eles os casamentos, baptizados, funerais, promoções, festivais de música, a Pascoa ou o Natal. E o fim de ano também, claro. São os dias de reflexão, de rever o que atingimos, o que ficou aquém das expectativas. De ir tomar banho ao mar, porque não? Porque não. Sim, porque não até me parece uma resposta bastante adequada. Enfim, por isso acho importante retirar-me nestes dias para pensar na vida. Na minha vida. E é por isso que gosto de ir para longe, para ouvir os meus pensamentos e meditar neles. Este ano vou para Espanha.