REVOLUTIONARY ROAD
Poucos filmes têm o dom de me tocar e emocionar. Não sou um público muito fácil. É preciso conseguir projectar em mim qualquer coisa profunda (normalmente permitir que me reveja no ecrã), ser bastante bonito ou fazer-me reflectir bastante sobre o sentido da vida, digamos assim. Revolutionary Road foi para mim tudo isto. Desde Match Point de Woody Allen que não chegava ao fim de um filme com esta sensação: a meio caminho do choro mas interrompido pela sensação de estupefacção em relação ao que acaba de passar diante dos meus olhos. Pode parecer bastante óbvio, mas Revolutionary Road é um filme fantástico porque é bom em três coisas fundamentais: argumento, realização e actores.
ARGUMENTO
Revolutionary Road é adaptado de um romance de Richard Yates, com o mesmo nome. Mesmo sem ler a obra, arrisco adivinhar que é bastante boa, supondo que o enredo do filme é retirado de lá. Mas um argumento adaptado (e agora escrevo isto sob a forte influencia das aulas que ando a ter, e tendo completa noção que ainda não sei nada de nada sobre isto – é quando mergulhamos nas coisas que percebemos a sua profundidade e a nossa vasta ignorância) é muito mais que uma mera transcrição da obra para o ecrã. Este é um filme que não desperdiça tempo. As primeiras cenas revelam-nos personagens bem construídos, complexos, humanos e num instante nos colocam a par do grande drama que vivem e como lá chegaram. As primeiras cenas de Revolutionary Road poderiam estar a meio do filme. Mas não estão, porque este é um filme sobre as tentativas para salvarmos as nossas próprias vidas e não sobre como as desperdiçamos. E mesmo assim, cada cena é pertinente, cada cena nos permite perceber o “vazio angustiante” em que se move o casal Wheeler e as transformações – em alguns casos sublimes, outros nem por isso – que a salvação, em primeiro lugar, e a redenção, em segundo, provocam no casal.
A REALIZAÇÃO
Sam Mendes é aqui dono de uma realização subtil e eficiente. Eficiente porque às tantas nos parece que os actores são a alma do filme e que é por eles que nos angustiamos. Mas um olhar mais atento perceberá que não é bem assim. O realizador faz um trabalho magistral em todas as cenas, tomando, ao longo do filme, diferentes opções adequadas a cada momento, mas que não chocam a integridade do mesmo enquanto unidade que conta uma história. Sam Mendes dá-nos o que cada cena tem para nos dar – e têm tanto – mas não nos deixa sair da linha contínua que é a história daquele casal, e é essa linha que nos perturba.
OS ACTORES
Kate Winslet e Leonardo Dicaprio. Não sei quantos anos depois do Titanic. Dois actores que não ficaram por ali e seguiram duas carreiras brilhantes. Kate Winslet fez-se logo à vida, Dicaprio às tantas parecia (ou parecia-me) não ter muito para dar enquanto actor. Mas já nos apercebemos há algum tempo dessa falsidade. Revolutionary Road tinha que ter dois bons actores nos papeis principais, ou não funcionaria. E teve. E mais do que isso, Winslet e Dicaprio estão excepcionalmente bem. E o melhor é que agarram os dois as cenas ao mesmo nível – way up high – e são eles que nos arrebatam. Ela está ao nível o Globo de Ouro - se mereceu não posso dizer porque não vi os filmes das concorrentes todas – e ele prova aqui, mais uma vez, ser um dos melhores actores da sua geração. A cena do pequeno almoço – brilhante! brilhante! brilhante! -, perto do final do filme, mostrou-me talvez um dos melhores actings que já vi.
OS PERSONAGENS/ACTORES
Os personagens secundários são isso mesmo. Secundários. Em nada fazem a acção do filme andar para a frente. Mas estão lá como a última peça do puzzle que nos faz mergulhar no “vazio angustiante” daquelas vidas. E fazem mesmo. Principalmente porque os actores são muito bons. Saltam à vista Zoe Kazan, com um papel muito pequeno mas uma presença fantástica e totalmente adequada ao papel, e, claro, Michael Shannon que interpreta John Givings, personagem que funciona aqui como a “voz da consciência” que vem clarificar os pensamentos dos Wheeler – primeiramente confirma a sua necessidade de se salvaram, depois é a prova de que já não há salvação possível. Um papel de “maluquinho”, daqueles que abre portas para os Óscars - Shannon está mesmo nomeado para actor secundário. E a verdade é que merece.
Revolutionary Road não está nomeado para os grandes Óscars – as suas nomeações restringem-se a Melhor Actor Secundário, Direcção de Arte, Guarda-Roupa. Acho injusto. Dos nomeados a melhor filme já vi O Estranho Caso deBenjamin Button e Frost/Nixon, e considero o argumento e realização de Revolutionary Road bastante melhores. Talvez o filme seja mais angustiante do que dramático, e isso é pouco Hollywood. Seja como for, é um dos filmes mais bonitos que já vi.
A ÚLTIMA CENA
Sem palavras.
4 comments:
"vazio desesperante" não era?
já não tenho a certeza. desesperante ou angustiante, acho que para o que é se encontra o mesmo significado nas duas palavras.
Sim, claro. Mas como citavas a expressão, colocando-a, inclusivé, entre aspas, achei que poderias citá-la correctamente, só isso.
Bem, deves estar a pedir para te apagar os comentários... bem, vamos lá ver. Depois queixa-te que te doem as costas e logo falamos em citações.
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